Caso Clínico 1
O caso clínico apresentado foi realizado no âmbito do Ensino Clínico em Situações de Défice no Autocuidado sob a orientação da Professora Maria da Anunciação Baltazar e do Assistente Convidado, Professor Bruno Carrão. A metodologia utilizada para realização do mesmo foi a interpretação dos processos clínicos disponibilizados pela instituição, a observação ao longo dos cuidados prestados e a entreajuda entre as enfermeiras, assistentes sociais e técnicas auxiliares de saúde com os estudantes.
Para a obtenção dos dados necessários para a realização do caso clínico, utilizei o Guia de Recolha de Dados que se encontra em apêndice no Guia de Ensino Clínico de 2022/2023.
Este caso clínico tem como objetivo demonstrar a informação recolhida ao longo do Ensino Clínico, permitindo a elaboração de um plano de cuidados individualizado, dando resposta aos défices de autocuidado que a utente apresenta.
Considero que o caso clínico apresentado é o mais significativo uma vez que acompanhei a utente desde a minha entrada na Fundação Ferreira Freire, tendo a oportunidade de colaborar até ao final do Ensino Clínico. Com isto, tive possibilidade de acompanhar as suas dificuldades e de certa forma, amenizá-las através da realização de cuidados.
Ao longo de todo o processo procurei colaborar para o progresso da utente, a nível da comunicação e no autocuidado de alimentar-se, sendo este parcialmente compensatório. Destaco o enorme desafio de colaborar com uma utente que apresenta, maioritariamente, comunicação não verbal, levando-me a procurar e aprofundar sobre esta temática, de modo a compreender a melhor forma de suprir as suas necessidades, através das múltiplas formas de comunicar. A comunicação é, sem dúvida, uma das ferramentas mais importantes para a prática de enfermagem.
Destaco a criação de uma ligação empática desde cedo, sendo também um dos motivos da escolha do caso clínico mais significativo.
Por fim, foi uma utente que me desafiou em diversos aspetos, sobretudo por ser o meu primeiro contacto em contexto clínico. Contribuiu de forma a aprimorar o meu conhecimento sobre comunicação não verbal, sobre as implicações que a demência pode ter na vida de uma pessoa e de que forma a prática de enfermagem permite melhorar a qualidade de vida de uma pessoa que apresente défices de autocuidado.
Identificação pessoal
A Sra. A.N. é do sexo feminino, de raça caucasiana, tem nacionalidade portuguesa e é da religião católica. Nasceu a 4 de julho de 1948, tendo neste momento 75 anos. É natural da Cordinhã, Cantanhede, distrito de Coimbra.
De acordo com o processo clínico, atualmente não consegue ler nem escrever, motivado pela Perturbação Neurocognitiva Major por Demência não Específica. Frequenta a Fundação Ferreira Freire desde 2016, sendo um caso social. A instituição providencia-lhe todos os cuidados a seu cargo. Antes de frequentar a instituição, estava na Cáritas Diocesana por não apresentar condições habitacionais e sanitárias, necessitando de auxílio de terceiros para realizar as Atividades de Vida Diárias.
Tem cinco irmãos onde não estabelece nenhum contacto familiar e uma filha que possui um défice cognitivo. A pessoa de referência é uma sobrinha. Não recebe visitas por parte de nenhum familiar.
Antes de ser acolhida por qualquer uma das instituições em que frequentou, vivia numa casa sem qualquer tipo de condições habitacionais e sanitárias, com uma das suas irmãs e cunhado.
A nível da comunicação, a utente comunica quase exclusivamentee de forma não-verbal. Apenas quando é bastante estimulada consegue proferir uma a duas palavras.
Dado o seu estado de demência depreende-se a falta de orientação temporal. Por vezes parece estar orientada no espaço quando verbaliza "sala" no final da refeição da hora de almoço. Dada a pouca comunicação verbal é extremamente complexo percepcionar com exatidão estes aspetos.
Antecedentes Pessoais
A utente apresenta como antecedentes pessoais uma Perturbação Neurocognitiva Major por Demência não Específica, Parkinson, Litíase e Antiagregada com Aspirina.
História Clínica
Não são conhecidas no seu processo alergias e algum tipo de intolerância.
A nível de episódios de presença no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, são conhecidos os seguintes:
- Em maio de 2017 foi encaminhada ao SU por queda de altura própria, apresentando encurtamento do MI esquerdo, com realização de contusão na anca;
- Em maio de 2018 foi encaminhada ao SU duas vezes, uma por queda com fissura radial esquerda, onde foi colocado uma tala gessada com prescrição de um período de três semanas. Foi novamente ao serviço de urgência por ter removido a tala gessada;
- Entre julho e agosto de 2022 realizou uma Colangiopancreatografia Retrógada Endoscópica (CPRE) uma vez que apresentava a vesícula biliar em repleção, contendo lítiase;
- Em julho de 2022 foi ao SU devido a um episódio de queda que teve como consequência a pirâmide nasal com ligeiro desvio para a esquerda (traumatismo facial).
AUTOCUIDADOS
O papel do enfermeiro é crucial no planeamento e execução de autocuidados na medida em que "o enfermeiro distingue-se pela formação e experiência que lhe permite entender e respeitar os outros, num quadro onde procura abster-se de juízos de valor relativamente à pessoa cliente dos cuidados de enfermagem" (Correia, 2015, as cited in OE,2004:4).
Autocuidado alimentar-se
A alimentação é uma necessidade básica fundamental para todos os seres humanos.
"Deve propiciar prazer, conforto emocional, diminuição da ansiedade e aumento da autoestima, para além de permitir maior integração e comunicação com os seus familiares" (Correia, 2015, as cited in Santos, 2011).
Nightingale reconhecia a importância "da alimentação e o importante papel da enfermeira no atendimento dessa necessidade quando dava importância aos horários da alimentação, os tipos de alimento que era fornecido aos doentes, tendo em conta as limitações impostas pelas doenças, proporcionando um ambiente adequado para as refeições" (Correia, 2015, as cited in Nightingale, 1990).
Nesse sentido, os focos dos cuidados de enfermagem devem-se dirigir a determinados aspetos, nomeadamente: a apresentação dos alimentos, a posição para se alimentar, oferecer os alimentos que a pessoa gosta, perceber a causa da perda do interesse pela comida (Correia, 2015, as cited in O´Connor, 2007).
A utente realiza cinco refeições por dia (pequeno-almoço, almoço, lanche, jantar e suplemento). Todas as refeições são feitas no refeitório, junto com os restantes utentes.
Relativamente à Sra. A.N, é alimentada via oral através de uma dieta pastosa. Não apresenta disfagia nem dificuldades no reflexo de deglutição, no entanto, por não apresentar a dentição superior e inferior completas, a escolha da dieta pastosa é a melhor opção, evitando engasgamentos.
Na maioria das vezes ingere a totalidade da refeição, todavia, é necessário estimular. Relativamente ao consumo de água, a utente bebe um copo de água nas refeições. É necessário providenciar os materiais, a comida e água para junto da utente, auxiliar no movimento mão-boca, motivar, estimular e supervisionar a refeição.
Diagnóstico de Enfermagem: Parcialmente compensatório no autocuidado alimentar-se.
Autocuidado higienizar-se
"O enfermeiro é considerado o profissional de saúde com competência para na prestação do banho por este ser um cuidado considerado essencial ao ser humano, um cuidado de manutenção da vida"(Fonseca et al., 2015, as cited in Collière, 1989).
Portanto, os cuidados de higiene, proporcionam o desenvolvimento da relação e interação enfermeiro/pessoa, gerando uma oportunidade de partilha de saberes (Fonseca et al., 2015, as cited in Castledine, 2003; Martins, 2009), de preocupações face ao plano de cuidados (Fonseca et al., 2015, as cited in Downey & Lloyd, 2008), de avaliação, ensino e observação da condição física e psicológica da pessoa (Fonseca et al., 2015, as cited in Castledine, 2003; Martins, 2009).
É realizada a higiene no leito cinco vezes por semana (segunda, terça, quarta, sexta e domingo) e nos restantes dias a higiene total é realizada no chuveiro com recurso a uma cadeira de banho. É feita todos os dias por volta das 8h15min da manhã.
Consegue colaborar na higiene da face, principalmente na região da boca, sendo necessário estimulação para o realizar. Utiliza os produtos de higiene da instituição como o creme hidratante, as toalhitas, a pomada com zinco e o gel de banho. Quando necessário outro tipo de cuidados a serem prestados, como cortar as unhas, cortar o cabelo ou fazer a depilação, os mesmos são executados por técnicas auxiliares de saúde.
No momento da higienização, com a observação da pele e tegumentos, apresenta uma fragilidade cutânea na zona inguinal, estando prescrito a colocação de vitamina A após a higiene da manhã e às 19h. Relativamente à higiene oral é necessário a realização da mesma por parte do profissional ou do estudante.
Diagnóstico de Enfermagem: Totalmente compensatório no autocuidado higienizar-se.
Autocuidado andar
O ato de andar é "uma resposta humana complexa que merece especial atenção por parte do enfermeiro, uma vez que apresenta uma importância efetiva pela possibilidade de explorar recursos e estratégias de avaliação e por permitir ao enfermeiro um planeamento adequado de intervenções" (Abrantes, 2020, as cited in Herdman & Kamitsuru, 2014).
No autocuidado andar, a doente realiza marcha com apoio unilateral, sendo notório algum desequilíbrio postural. Apresenta antecedentes de queda, tendo sido avaliado o risco de queda através da Escala de Morse, apresentando um score de 50, o que indica que apresenta um baixo risco de queda, de acordo com os valores tabelados apresentados pela Direção Geral de Saúde. Contudo, de forma preventiva, é imprescindível executar medidas de segurança como levantar as grades da cama, na realização do levante colocar a cama a uma altura mínima onde a utente consiga tocar com os pés no chão, manter o espaço circulante livre de obstáculos, providenciar calçado apropriado e afastar objetos que potenciem quedas.
É necessário assistir no autocuidado de andar, assim como incentivar a utente a fazê-lo. Normalmente o circuito diário da utente é do quarto para o refeitório, do refeitório para a sala de convívio e casa de banho.
Diagnóstico de enfermagem: Parcialmente compensatório no autocuidado de andar.
Autocuidado vestir-se e despir-se
"Vestir-se e despir-se, para além de uma necessidade fundamental de conforto e proteção, assume-se como expressão social e cultural, na medida em que protege a intimidade e revela uma identidade do individuo e do grupo" (Ferreira, 2020, as cited in Almeida, et al., 2018).
A sua importância acaba por ser maior em indivíduos na idade geriátrica uma vez que apresentam mais vulnerabilidade e dificuldade a realizar este ato.
O foco vestir-se e despir-se engloba alguns aspetos relevantes que são necessários ter em conta, tais como: aspetos sociais e culturais, proteção física do corpo, valores que representa, privacidade.
A Sra. A.N, não apresenta capacidade para vestir-se e despir-se sozinha. É preciso vestir a utente. Mas, consegue colaborar ao realizar o movimento do braço para colocar na camisola. Para que o faça, é necessário estimular. Para a prestação do autocuidado vestir-se e despir-se, necessitamos de providenciar as roupas limpas e calçado para junto da utente, arranjar a utente e auxiliar na colocação das mesmas.
Diagnóstico de enfermagem: Totalmente compensatório no autocuidado de vestir-se e despir-se.
Autocuidado levante
A utente realiza levante todas as manhãs após a higiene. É necessário providenciar apoio para que a utente se consiga sentar na cama e posteriormente levantar. Para levantar, necessita apenas de apoio unilateral. É importante ter em conta a altura da cama e calçado adequado, assistir e supervisionar o autocuidado levantar-se e incentivar o mesmo.
Diagnóstico de enfermagem: Parcialmente compensatório no autocuidado de levante.
Autocuidado transferir-se
A utente apresenta iniciativa para realizar o movimento de transferir-se e mobilizar o corpo entre duas superfícies próximas.
Para se transferir para a cadeira é fundamental providenciar um apoio unilateral à mesma, necessitando apenas de ajuda parcial. É crucial assistir, supervisionar, instruir e incentivar ao autocuidado transferir-se.
Diagnóstico de enfermagem: Parcialmente compensatório no autocuidado de transferir-se.
Autocuidado uso do sanitário
No autocuidado do uso do sanitário, a utente necessita de ajuda de terceiros para retirar e colocar a roupa, a fralda e que lhe façam a higiene dos genitais após o uso do sanitário.
Diagnóstico de enfermagem: Totalmente compensatório no autocuidado uso do sanitário.
Autocuidado erguer-se
A Sra. A.N. apresenta iniciativa para realizar o movimento de erguer-se, requerendo ajuda para o conseguir finalizar, sendo então preciso assistir no autocuidado de erguer-se e incentivá-la à realização do mesmo.
Diagnóstico de enfermagem: Parcialmente compensatório no autocuidado erguer-se
Autocuidado deglutição
A utente apresenta capacidade para executar a técnica de deglutição, sendo fulcral vigiar o reflexo de deglutição e avaliar a capacidade para executar o mesmo.
Diagnóstico de enfermagem: Deglutição comprometida em grau reduzido
Requisitos Universais da Vida
Na monotorização dos sinais vitais, avaliados no dia 4 de janeiro de 2024, apresentou Tensão Arterial de 110 mmHg de sistólica e 60 mmHg de diastólica, estando normotensa e uma temperatura axial de 35,8°C, encontrando-se apirética. Relativamente à sua frequência cardíaca, encontrava-se a 70 bpm, sendo o seu pulso radial rítmico, filiforme e simétrico. Esta medição foi realizada através da palpação do pulso radial. A frequência respiratória é regular, simétrica e torácica com 20 ciclos por minuto, encontrando-se eupneica. Não refere qualquer tipo de dor. Por fim, a sua saturação de oxigénio estava a 96%, sendo considerada dentro dos níveis normais da utente.
A utente apresenta incontinência urinária e fecal, utilizando durante o dia e durante a noite fralda. A urina apresenta-se com cor amarela, de cheiro característico e em quantidade moderada.
No que concerne a eliminação intestinal, a utente apresenta incontinência fecal, apresentando fezes pastosas, de cor castanha em quantidade moderada e com cheiro característico.
Exame físico
A avaliação do exame físico foi realizada no sentido encéfalo-caudal.
A utente apresenta cabelo curto, grisalho, de textura fina, tendo uma quantidade moderada do mesmo. A sua face é simétrica, de forma oval com coloração rosada, sem presença de lesões cutâneas. Apresenta simetria da cabeça e a mesma é proporcional ao corpo. Sobrancelhas simétricas com quantidade moderada de folículos pilosos. Tem olhos castanhos, simétricos, de tamanho regular, pupilas isocóricas e tem uma prótese ocular. Relativamente ao nariz, apresenta permeabilidade em ambas as narinas. As orelhas têm um tamanho proporcional à face e encontram-se simétricas, com pele integra, sem presença de fragilidade cutâneas.
No que concerne aos lábios são assimétricos, íntegros, rosados, no entanto, apresentam alguma desidratação, sendo colocado todas as manhãs após a higiene vaselina purificada. Apresenta humidade lingual assim como integridade da mesma. A nível da dentição, a mesma é incompleta, tanto superiormente como inferiormente e os dentes que apresenta não se encontram em bom estado.
Relativamente ao pescoço, apresenta um tamanho proporcional ao corpo, sem presença de massas palpáveis. O tórax e o abdómen apresentam-se normais e simétricos. Os membros superiores são simétricos e de tamanho proporcional ao restante corpo, apresentando pele integra e hidratada. Unhas limpas e curtas. A região perirretal apresenta pele integra, hidratada e sem presença de lesões. Na região inguinal, apresenta maceração devido à humidade provocada pela fralda.
Os membros inferiores são simétricos em relação ao resto do corpo e apresentam pele integra e hidratada, assim como os seus pés. Ainda a nível dos membros inferiores, realizou-se o teste para a perceção de sinal de godet positivo ou negativo. Pressionou-se a superfície da face anterior da tíbia a partir do seu extremo inferior, isto é, os maléolos e verificou-se que não há manutenção da depressão superficial após compressão, ou seja, apresenta Sinal de Godet negativo (sem presença de edemas).